‘Cajueiros dos Papagaios’ 154 anos depois

Publicado: 09/08/2009 em Notícias e política

Como o ‘Arraial do Santo Antonio’ do Aracaju se tornou a Capital de qualidade de vida no Nordeste

Allana Rafaela (allanarafaela@gmail.com) e  Joanne Mota (joannemota@gmail.com)

População de 536.785 habitantes, de acordo com a estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE) de 2008. Área total de 181 km², densidade demográfica de 2.874, 60 hab/km² e altitude 4m. Terra dos papagaios e caranguejos, dos cajueiros frondosos, das mangabas e dos coqueiros, dos muricis e araçás, cidade de povo ordeiro, trabalhador, diligente e hospitaleiro. Já sabe de qual município estamos falando? Tais características são do município brasileiro que é capital do menor Estado da Confederação, Sergipe. Esta é Aracaju, uma cidade que tem a história cheia de lances dramáticos, às vezes até pitorescos, que há 154 anos nasceu de uma resolução da Assembléia Provincial da época, fato que alterou, significativamente, a história do seu Estado.

Aracaju é uma jovem cidade de 154 anos, construída a partir de uma decisão do então governador da província, Ignácio Joaquim Barbosa, que resolveu mudar a capital de São Cristovão e instalá-la na foz do rio Sergipe. Ao expandir rumo ao sul do estado, a nova Capital também ocupou os estuários dos rios Poxim e Vaza-Barris, o que garantiu o desenvolvimento econômico do estado à época. Além do porto, razão que fundamentou a transferência da capital, Aracaju possuía culturas que sustentaram seu desenvolvimento, como as culturas da cana-de-açúcar, atividade produtiva do vale do Cotinguiba; algodão, especialmente os trapiches, que nutria as fábricas têxteis e as vilas operárias no novo município.

Segundo pesquisa realizada pelo poeta e historiador Thiago Fragata, a mudança da metrópole não resultou apenas da iniciativa do Presidente Inácio Barbosa, mas também de fatores internos – originados na Província – e externos, que resultam de causas políticas e econômicas que norteavam o cenário nacional no século XIX. “A cultura do açúcar era o principal produto de exportação de Sergipe, e com sua capital localizada no interior do Estado, no município de São Cristovão, o escoamento da produção tornava-se difícil. Daí a justificativa para a fixação do centro de decisões político e econômico na área litorânea do Estado”, acrescenta.

Para a pesquisadora e historiadora Lenalda Andrade, a transferência da metrópole foi baseada na articulação governamental que dominava a política brasileira no século XIX. O país era marcado por uma ‘política de conciliação e trabalho construtivo’, reflexo das grandes iniciativas econômicas do Barão de Mauá, que expirava a modernização e dirigia a uma ampliação territorial, política e econômica. Segundo ela, Sergipe vivia um momento muito bom economicamente, mas necessitava de um ponto estratégico para que o Estado conseguisse acompanhar a modernização em curso impulsionada pelo desenvolvimento industrial. “Inácio Joaquim Barbosa foi um pioneiro e revolucionário, a mudança da Capital foi um marco histórico para Sergipe e essa mudança aconteceria de qualquer forma, pois São Cristovão, mesmo sendo uma cidade estabelecida, ainda apresentava limitações, o que fundamentou de vez a transferência”, ressalta a historiadora.

Assim, em 17 de março de 1855, a colonial São Cristovão deu lugar ao povoado Santo Antônio de Aracaju, que logo depois se tornou Aracaju, segunda capital planejada do Brasil. O engenheiro Sebastião José Basílio Pirro fez um plano que se resumia a um alinhamento de ruas em linha reta, dentro de um quadrado de 1.188 metros, que formam quarteirões simétricos que lembram um tabuleiro de xadrez, a fim de desembocarem no Rio Sergipe.

Mas nem tudo foi fácil com a transferência da metrópole, politicamente geraram-se muitas discussões que deram origem ao aparecimento de grupos adversos no julgamento do ato. Segundo o historiador José Calazans Brandão da Silva, formaram-se duas correntes de opinião em torno da mudança, o Partido Liberal, no poder durante toda a primeira metade do século XIX, defendia a economia da região do Vaza-Barris (São Cristovão e Itaporanga); e o Partido Conservador, por sua vez, defendia a economia do Vale do Cotinguiba (Maruim, Japaratuba, Santo Amaro e Laranjeiras). Este cenário dividiu os pontos de vista das respectivas populações e dos intelectuais da época, pois agora a nova Metrópole seria composta de gente humilde, pescadores e oleiros, que habitavam em casas de palha sem nenhuma arquitetura predial para receber o feito.

Ao realizar um olhar comparativo da segunda metade do século XIX com a segunda metade do século XX, a pesquisadora Lenalda Andrade, diz que as opiniões contraditórias foram e são naturais no desenvolvimento político de qualquer nação. E mesmo Aracaju não possuindo uma estrutura básica de cidade, conseguiu em poucos anos atingir um status considerável de capital. “Esse pensamento otimista não povoou a antiga Capital São Cristovão, e protestos legais foram levados à Câmara Municipal da antiga metrópole e manifestações públicas foram feitas, estas com o intuito de descredibilizar a nova capital e os políticos que haviam influído para a transferência naquela época”, completa.

Para o historiador Thiago Fragata, com a Mudança da Capital, deu-se a falência da economia sancristovense uma vez que a maioria dos negócios dependia da elite burocrática. O êxodo para a Aracaju foi a única alternativa para muitos. “A Câmara de Vereadores chegou a escrever um protesto ao Imperador D. Pedro II, que visitou a cidade em janeiro de 1860, sem efeito. O comerciante João Nepomuceno Borges, conhecido como João Bebe-Água, dizem ter juntado voluntários para impedir o translado dos cofres públicos, viu seu plano esvaziado, foi ridicularizado como patriota louco e maltrapilho pelos agentes da manobra política”.

Construção de uma nova Capital

Com a mudança da metrópole, Sergipe passou o final do século XIX estruturando sua nova Capital para receber a elite da época. No inicio do século XX, já com certa estrutura, a nova Capital floresce política e socialmente, o que impulsiona o desenvolvimento industrial, principalmente da indústria têxtil.

A pesquisadora Lenalda Andrade destaca que o desenvolvimento da indústria no início do século passado foi fundamental para complementar o setor econômico do Estado. Ela lembra que até então as atividades econômicas eram essencialmente agrícola, e que esse crescimento econômico garantiu a Sergipe o aperfeiçoamento de novas formas econômicas que se destacavam no cenário nacional naquela época. “O desenvolvimento da indústria sergipana no início do século XX possibilita ao Estado um crescimento muito favorável, o complexo têxtil passou a se articular com o capital comercial, expandindo assim o comércio de confecções. A partir daí constatamos uma intensificação e diversificação da indústria sergipana”, explica a pesquisadora, destacando a importância da Sudene e da Petrobras no processo de expansão econômica e social do Estado.

Lenalda Andrade ainda acrescenta que o estado de Sergipe apresenta um bom histórico de aproveitamento no que diz respeito ao ambiente da economia brasileira, sobretudo a partir dos anos de 1960 com a chegada da Petrobras no Estado. “O Brasil dos anos 90, por exemplo, nos traz a construção de uma trajetória cada vez melhor, com mais dinamismo das exportações e elevação das reservas, além de políticas sociais mais ativas com impacto na distribuição de renda e no consumo popular”, explica. “O potencial do mercado nordestino mostrou às grandes indústrias a expansão de consumo das classes. A partir de 1995, o desempenho industrial de Sergipe superou a média do nacional, segundo dados do IBGE e da Secretaria de Estado de Planejamento”, complementa a pesquisadora.

Quanto ao quadro atual de Sergipe, o IBGE e o Conselho Regional de Economia de Sergipe (CORECON) destacam a histórica concentração espacial da indústria no leste sergipano, que inclui a cidade de Aracaju. Os órgãos exemplificam destacando que “a construção civil concentra mais de 90% de suas indústrias no leste sergipano, dado semelhante ao setor de alimentos e bebidas. A indústria de calçados é a única exceção, com 43% da produção localizada no sertão”.

Segundo informações no site da Companhia de Desenvolvimento Industrial e de Recursos Minerais de Sergipe (CODISE), Sergipe é pioneiro na região nordeste na adoção de uma política de organização do espaço urbano para a implantação de projetos industriais. O Distrito Industrial de Aracaju (DIA) foi projetado e construído ainda na década de 70, impondo-se como um dos mais importantes instrumentos utilizados pelo Poder Público para consecução de sua política de atração de investimentos para o território sergipano. A partir disso, o Governo de Sergipe ampliou a política de implantação de distritos e núcleos industriais em diversos municípios, buscando a interiorização do desenvolvimento econômico-social, tendo em vista a sua atuação no processo de geração e redistribuição de riquezas.

Dessa forma, o setor industrial sergipano poderia descentralizar-se e desenvolver-se por todo o Estado. De acordo com o site do Conselho Regional de Economia, a descentralização do setor industrial é um desafio para o governo de Sergipe, que agora se associa a essa tendência. O mercado interno tem grande potencial de crescimento, e já apresenta intenções de investimentos em vários setores produtivos.

Para Lenalda Andrade, essa política de interiorização econômica surgiu para ordenar o crescimento dos municípios sergipanos. A pesquisadora destaca que devido a falta de políticas públicas mais claras, municípios como São Cristovão, Nossa Senhora do Socorro, Barra dos Coqueiros, Laranjeiras, Maruim e Santo Amaro das Brotas não puderam acompanhar o desenvolvimento ocorrido em Aracaju. “O que observamos hoje é uma Capital rodeada de cidades dormitórios, essas pessoas abastecem principalmente o setor terciário de nossa Capital. Isso reflete o desfavorecimento destes municípios e demonstra o acanhamento dos investimentos econômicos nestas localidades”, confirma a pesquisadora.

Segundo dados do IBGE em 2008, Aracaju possui 536.785 habitantes em sua dimensão política, no entanto quando olhamos para sua dimensão econômica se verifica a soma das populações dos municípios de Nossa Senhora do Socorro, Barra dos Coqueiros, Laranjeiras e São Cristovão – totalizando mais de 780 mil habitantes formados pela Grande Aracaju -, localizada no litoral, cortada pelo Rio Sergipe, antigo Vale do Cotinguiba, e pelo Rio Poxim.

O hoje…

Depois de 154 anos de desenvolvimento político, econômico e social a pequena Aracaju se torna uma Capital paradoxal, pois é possível ver entre suas obras faraônicas o jeitinho provinciano peculiar do aracajuano. Ainda se pode encontrar vizinhos sentados em cadeiras às portas das casas nos fins de semana, mediante às inúmeras opções de diversão; um número infinito de bicicletas trafegando à medida que o número de carros parece maior que o de habitantes; shoppings e lojas cada vez maiores enquanto as pequenas mercearias lutam bravamente pela sua permanência; carroças perambulando em meio aos carros importados; carnaval fora de época nos trios elétricos contrastando com marchinhas nos bailes e blocos de rua durante a festa de momo; bairros nobres com mansões e residenciais arrojados, e bairros tradicionalistas, onde nem se cogita a possibilidade de alterar a arquitetura. Essa todos nós conhecemos. É Aracaju, a capital de Sergipe.

*Imagens de arquivos históricos da Capital.
Edivânia Freire said, on 12 12UTC Abril 12UTC 2009 at 4:29 am

  1. Joanne, parabéns pelo seu trabalho. Bastante rico em informações e coerente. A escolha da entrevistada também foi correta: a historiadora Lenalda Andrade enriqueceu ainda mais sua reportagem. Parabéns!

    Edivânia Freire

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